Este texto resume os pontos mais importantes do capítulo 2 do livro “The Great Conversation: The Substance of a Liberal Education“, de Robert M. Hutchins, publicado como Volume 1 da coleção Great Books of the Western World, pela Enciclopédia Britânica, em 1952:
Neste Capítulo 2, páginas 7 a 16, Hutchins começa a discorrer sobre o declínio da educação liberal no ocidente a partir da modernidade e início do século XX, apresentando como começaram a surgir visões equivocadas a respeito da educação liberal, incluindo a visão errônea de John Dewey, filósofo da educação que acabou, inadvertidamente, influenciando de grande modo o movimento de distanciamento da educação liberal e do grande diálogo.
Hutchins não esgota o assunto totalmente (os Capítulos 3 e 4 apresentam outras causas para o declínio da educação liberal) mas neste capítulo ele frisa o papel fundamental da mudança de visão sobre a educação nesse processo.
Note que nada do que se segue é um pensamento original meu mas, sim, de Robert M. Hutchins. Eu reescrevi ou simplesmente transcrevi vários trechos de seu livro, procurando organizar e resumir o que eu entendi e aprendi, em poucos parágrafos e de modo mais objetivo. Acrescentei algumas explicações e figuras, quando julguei necessário, para melhorar a explicação do conteúdo. Sugiro a leitura do original caso o resumo abaixo lhe interesse.
Por último, me permito um deslize acadêmico: como as idéias abaixo não são minhas, são de Hutchins, eu deveria citá-lo várias vezes nos parágrafos abaixo. Mas isso tornaria o texto absolutamente repetitivo e enfadonho: “segundo Hutchins”, “de acordo com Hutchins”, “Hutchins acredita que”… Para evitar essa repetição, fica aqui, desde já, avisado que apesar de não referenciar Hutchins abaixo, o texto, o pensamento e o que eu aprendi, a seguir, é de Hutchins.
1. Educação para as massas
Até o final do século XIX os Great Books constituíam o centro da educação liberal mas essa educação liberal era restrita a uma elite. Pensava-se que somente aqueles com inteligência excepcional, tempo e necessidade de poder político necessitavam compreender esses livros.
A partir do século XX e a medida em que as massas foram admitidas na atividade política, surgiu o pensamento de que as massas deveriam ser educadas mas que não poderiam ser educadas do mesmo modo. Tudo o que as massas precisavam saber a respeito dos grandes escritores e livros poderia ser traduzido em livros didáticos que não fossem embaraçosamente difíceis ou volumosos como os originais.
Além dessa visão de “simplificar didaticamente” os livros para as massas começou a surgir a idéia de que a educação liberal através dos Great Books não era mais adequada para ninguém (nem para as elites) pois estava ultrapassada e desconectada da vida real e dos problemas atuais. Ora, muitos livros foram escritos quando os homens ainda mantinham escravos, em uma época pré-científica e pré-industrial. O que esses livros ainda poderiam nos ensinar?
Essas novas idéias formavam um tipo de determinismo sociológico que dizia que a atividade intelectual é relativa a uma sociedade e época particular e que as ideias surgidas nessa sociedade e época não seriam mais adequadas em outras sociedades e outras épocas.
A visão de que agora os tempos mudaram e que a nossa concepção do que seria a melhor educação para todos também deveria mudar, contribuindo para o declínico da educação liberal, foi amplamente divulgada e defendida por John Dewey.
2. John Dewey e a educação através do trabalho
Dewey talvez seja o filósofo da educação mais mal compreendido, mal interpretado e mal aplicado do que qualquer outro. Ele desprezava a idéia de que o objetivo da educação fosse ajustar o jovem ao seu ambiente e desprezava em particular a idéia de que a educação se resumisse a ensiar alguém a ganhar a vida.
Dewey acreditava em uma concepção de educação liberal para todos mas não através das artes liberais e dos grandes livros e, sim, através da reprodução, na escola, do aprendizado de uma ocupação que interessasse ao aluno, despertasse nele a vontade de aprender, e que, durante esse processo de educação através do trabalho, fossem ensinados aos alunos o conteúdo moral, intelectual e liberal. Não que os alunos fossem trabalhar mas que se reproduzisse, na escola, um ambiente de trabalho: o ensino de uma ocupação seria um meio e não um fim em si mesmo.
Dewey era contra ao treinamento e educação puramente vocacionais mas, paradoxalmente, sua doutrina colocava o trabalho e os meios de se ganhar a vida como objeto da atenção da sistema educacional. As interpretações erradas e mal aplicadas de sua doutrina foram inevitáveis. A educação através do trabalho se transformou em educação para o trabalho.
Colocar o estudo do trabalho, das profissões, como central na educação é dar ao trabalho um lugar que não lhe pertence. A finalidade do trabalho é o lazer. Colocar o trabalho como um fim e não como um meio não é correto. No limite isso poderia levar a um estado pré-tirânico, descrito por Vico, no qual todos estão tão ocupados em seus interesses especiais que ninguém olha mais para o bem comum.
Dewey estava correto em se preocupar com os problemas sociais que a industrialização, mecanização e êxodo rural trariam, principalmente quanto a humanização do trabalho. Infelizmente a solução que ele propôs através do sistema educacional não resolveria esses problemas, só destruiria o sistema educacional.
3. A educação liberal nos tempos modernos
O desaparecimento da educação liberal das escolas modernas não é sinal de que essa educação esteja obsoleta e também não é sinal de que realmente exista um determinismo sociológico no qual as idéias que surgiram em uma sociedade e em uma determinada época não servem para outras sociedades e outras épocas.
A história e o senso comum destroem a idéia de obsolescência e determinismo sociológico. Através das eras os grandes homens escreveram suas discussões e ensinamentos a respeito dos problemas da humanidade. Nós podemos desdenhar desses ensinamentos? Nós podemos considerar esses ensinamentos primitivos e não válidos hoje em dia? Bem… “The Greeks could not broadcast the Aeschylean tragedy; but they could write it.“
A educação liberal é uma solução adequada ao problema da humanização do trabalho no seguinte sentido: o trabalho deve ter tanto significado quanto o possível e, para isso, os trabalhadores precisam ser artistas; seu trabalho deve ser a aplicação de conhecimento ou ciência, devem saber o que estão fazendo, porque estão fazendo, qual o valor (não no sentido puramente monetário) do que estão produzindo; devem compreender o que ocorre com o que produzem e como melhorias podem ser feitas; devem entender as relações de seu trabalho com o de outros trabalhadores em um dado processo; devem entender a relação entre os processos; devem entender o padrão de todos os trabalhos como constituintes da economia da nação e os impactos da economia na vida social, moral e política. O trabalho seria humanizado se todos compreendessem isso. E a ferramenta para esse tipo de compreensão é a educação liberal, a educação para o desenvolvimento da mente e da excelência humana.